José
Paulo Leite de Abreu
Director
do Museu Pio XII
Somos itinerário. A vida progride e nós com ela. As sensações multiplicam-se, os acontecimentos moldam-nos, os outros exercem a sua influência sobre nós, o saber dos outros provoca-nos, a nossa imaginação é fértil.
No itinerário de muitos sobressai o seguidismo – que não a
fertilidade; sobressai a falta de aventura, a confrangedora ausência de
criatividade, a segurança imobilista de caminhos que não ousam, o tédio de
estradas nunca abertas à novidade. Outros há, porém, que aceitam inovar; que
rompem com escolas e esquemas tradicionais; que pintam a realidade com cores
novas, arrojadas, inconformadas; que ruminam a realidade até ao ponto de a
transformarem numa realidade nova, numa auto-realidade. É quanto de essencial
se me oferece dizer sobre o artista plástico Pintomeira.
Formou-se. Correu mundos, os da vida, os das artes. Andou por
Lisboa, Paris, Amesterdão. Conheceu escolas e tendências (que o marcaram e
ainda hoje espreitam): o surrealismo, o Grupo Cobra ou a Nova Linha, a Pop Art…
Pintomeira é sobretudo um inconformista, um poeta da tela, um
inovador das formas e da conjugação das cores.
Nesta luta pela independência, as formas soltam-se,
insinuam-se apenas, sugerem mais do que o que dizem. E mesmo quando a geometria
se percebe e as cores se harmonizam para dar equilíbrio ao que se contempla, o
criativo adianta-se ao formal.
Na obra de Pintomeira sobressaem também os contornos, que
focam o olhar e focalizam o olhar do interlocutor, sublinham centralidades e
funcionam como útero onde se esconde e defende o essencial da mensagem a
transmitir.
Também se conjugam várias apetências, não apenas a do pincel,
também a da fotografia e do designer gráfico.
No tema Faces um
conjunto de acrílicos sobre tela, técnica mista sobre papel e cerâmicas, estão
lá todos eles: o pintor; o fotógrafo; o designer. Todos à solta. Todos
criativos.
Predominam as cores primárias e combinações complementares
sobre fundo cinza. As faces são depuradas em contorno preto sobre fundo
abstracto.
Como inspiração, Pintomeira deixou-se transportar até aos
alvores da Idade Moderna, esse próspero período da criatividade humana e de
sacro respeito pela arte dos clássicos. De facto, os rostos que as suas telas
reproduzem inspiram-se livremente nas Madonas renascentistas. Estilizadas.
Convulsionadas. Pacatamente provocantes.
Quando se encontrava em Amesterdão, no princípio da década de
70 da pretérita centúria, Pintomeira escrevia aos seus amigos. Numa dessas
“Cartas Condenadas” que se conservam, ele próprio se retratava, dum jeito que
ninguém melhor do que ele próprio poderia ter feito. E as suas palavras
(auto-biográficas), que reconheço por inteiramente verdadeiras e aqui
transcrevo em jeito de apreço, eram estas:
“Nada de grande e
sublime foi criado sem exaltação e paixão!
“Nunca puritano,
celebro sempre a nova ideia. Levanto a minha taça e bebo ao meu renascimento
contínuo. Assim, suprimo a névoa e ilumino o espaço entre mim e o cândido linho
para sentir o labor do pincel, o aroma do pigmento, no êxtase da cor e da
forma. Depois, nada existe que não tenha jorrado das minhas entranhas passando
o salão azul do meu inconsciente”.
José
Paulo Leite de Abreu
Director
do Museu Pio XII