15.7.12

As Figuras Clicadas




 O alemão Wolf Lieser, director do DAM, Museu de Arte Digital, definiu, desta maneira, essa expressão artística: “Fazem parte da arte digital as obras artísticas que, tendo por um lado uma linguagem visual especificamente mediática, revelam, por outro, as metacaraterísticas do meio.” De um modo mais claro e abrangente, podemos afirmar que todas as manifestações artísticas, criadas em ambiente gráfico computacional, através da utilização das ferramentas dos vários programas software, podem ser consideradas arte digital.
Actualmente, com o amplo poder e influência das tecnologias digitais nas várias linguagens de expressão artística e, à falta de análises e estudos para definir critérios rigorosos com o fim de estabelecer fronteiras, tudo o que é concebido e produzido neste âmbito, tem sido considerado arte, neste caso específico, arte digital.
A primeira utilização do computador para conceber arte, embora que, na sua maioria, tenham sido padrões geométricos, começou nos fins dos anos cinquenta, quando o cientista, ainda que de maneira ocasional, se deparou com essa possibilidade. Nos anos posteriores, o cientista, ao transmitir a sua experiência ao artista, chegou a vez deste, agora de um modo intencional, começar a produzir as suas criações, consideradas ainda experimentalismos. Estava em marcha uma revolução digital, primeiramente tecnológica, da qual a arte se iria apoderar para criar manifestações artísticas que, no seu modo de produção, reflectiam o seu tempo.
Entre outros, foi Manfred Mohr, artista de origem alemã, quem mais se destacou na aurora da arte digital, realizando em 1971 uma exposição individual na ARC- Museu de Arte Moderna da cidade de Paris, que iria ficar na história como a primeira mostra de arte gerada num computador. Sendo considerado o seu pioneiro, diz-se, sublinhando o seu trabalho, que Manfred Mohr ensinou o computador a fazer arte. Ele próprio declarou: “A ideia de criar arte a partir de algoritmos é o ponto central do meu trabalho, onde uma lógica não visual irá criar uma obra visual. Isto é a parte mais excitante deste processo.” O seu trabalho, resultante da procura de uma arte racional, é fortemente geométrico, conceptual, chegando até nós em desenhos e pinturas minimalistas.
Outro pioneiro na área da computação gráfica, animação e arte digital foi o americano Charles Csuri que, já em 1964, decidiu transformar o computador numa ferramenta para os artistas. Pintor e, a partir de 1978, Professor na Universidade de Ohio, muito cedo ficou fascinado com o computador e as suas potencialidades como ferramenta para o desenvolvimento da arte digital, sendo um dos artistas mais reconhecidos e mais laureados nesta área. Foi, em 1987, o fundador do Advanced Computing Center for the Arts and Design (Centro de Computação Avançado para as Artes e o Design), da Universidade de Ohio, destinado ao desenvolvimento da arte digital e da animação computacional.
Só mais tarde, a partir da segunda metade da década de setenta e, principalmente, durante a década de oitenta, como consequência da evolução tecnológica dos computadores, gerando a produção de arte vídeo, temas de animação, gravura, a arte digital adquiriu estatuto e começou a ser mostrada ao público, sendo entendida no contexto da arte contemporânea.
A utilização de programas específicos e das suas ferramentas disponíveis para a edição de imagens digitais, é feita por Pintomeira desde 2009, na criação dos seus trabalhos de expressão artística, tendo, a série de obras realizadas nesse período, sido denominada de Click Art.
A sua produção de obras neste género artístico, resume-se à feitura de pinturas e desenhos realizados, essencialmente, por dois ou três programas disponíveis no ambiente gráfico do computador, através das suas técnicas criativas, que simulam aquelas utilizadas na arte tradicional. Essas criações artísticas existem armazenadas em suporte digital e exibidas no espaço virtual. No entanto, o autor definiu que esse caminho, colocado ao seu dispor pelos respectivos programas computacionais, seria apenas a primeira fase de um processo mais vasto e completo. O artista tem consciência de que esse exercício criativo elaborado em computador, sendo de carácter efémero e carecendo de unicidade, não contextualiza nem se insere na definição do que é considerado arte na sua forma mais convencional. Não havendo uma definição única e objectiva que nos diga, com clareza, o que é arte, entramos aqui numa ambiguidade. Mas, exactamente isso, poderá formar uma das muitas definições para a arte: um conjunto de ambiguidades.
Pintomeira, possuindo um longo percurso na criação artística, mais acentuadamente, na área das artes plásticas, sendo a pintura a mais trabalhada, sabe concluir que esta, existindo expressa na matéria física, não pode ser comparada, por via da sua existência em ambiente virtual, com aquela. Mas, também já concluiu que o processo criativo, quer na sua abordagem racional ou numa aproximação ao subjectivo ou ao emotivo, não está dependente do suporte, das ferramentas, da técnica ou tecnologia utilizadas. Ele sabe que os seus trabalhos criativos produzidos através das ferramentas próprias de um programa computacional e expostos em ambiente virtual são, assim mesmo, considerados arte digital e, actualmente, colocados no multidimensional e plurifacetado contexto da arte contemporânea.
Chegou agora, conforme planeado pelo artista, o momento de avançar para a fase segunda deste processo de criação de arte digital que, parcialmente, vai deixar de o ser. Considerando que a arte digital incorpora, por via do seu modus faciendi, ciência, tecnologia e arte, Pintomeira, não se sentindo preenchido nem confortável com as características inerentes a uma redutiva visão de arte partilhada em rede, através de uma galeria virtual, vai transferir esse seu trabalho elaborado em computador, para os suportes convencionais.
O autor que, numa primeira fase conceptual, habitou num ambiente digital de criação artística, entrando em ruptura com o convencional, regressa, agora, ao seu lugar de conforto, no campo da expressão estética, para dar forma física e palpável a um trabalho que até aqui, existia só, virtualmente. Retirando-lhe a ciência e a tecnologia, esse trabalho artístico vai passar para o seu atelier e aí para o papel ou para a tela, usando para esse exercício as técnicas convencionais da pintura.
Conceptualmente, na sua génese, na sua ideia primeira, esse trabalho vai continuar a ser arte digital, transportando consigo esse ADN do momento primeiro da sua construção estética, realizada com as ferramentas digitais de um programa de edição de imagens. Contudo, Pintomeira, ao fazer a transposição da imagem digital para o papel ou para a tela, vai elaborar uma cópia desta, utilizando uma técnica muito diferenciada daquela que esteve na origem da construção do original. Neste exercício, considerando que a arte digital provém, na sua génese, de uma imagem produzida na mente, tal como acontece nas outras formas tradicionais de expressão artística, nada mudando conceptualmente, pouco mudando na sua construção formal e cromática, irá mudar alguma coisa na sua expressão estética, embora, não se perdendo nada da sua qualidade.
A apresentação, sendo notoriamente diferente, irá trazer consigo, por via das características dos materiais utilizados, também uma aparência diferente. Esta arte digital, uma vez transferido o seu alter conceptum do ficheiro do computador para o atelier do artista, para ser convertido em pintura de técnicas tradicionais, continuará a residir na galeria virtual, no formato original da sua concepção única. Ela vai continuar no útero tecnológico que a gerou, fecundada e conceptualizada pela capacidade imagética e sensibilidade estética do seu autor.
No seu formato original, as suas obras configuradas no género “arte digital,” com uma específica linguagem mediática, estão partilhadas em rede através do seu site e blog, assim como noutras galerias virtuais disponibilizadas pela internet aos seus utilizadores online. Pintomeira aceitou ser seduzido por este género de intervenção artística, por esta inovação tecnológica que lhe oferece ferramentas para conceber arte digital, porque esta, citando Aquilino Ribeiro, “...é independente, original e inteiriça como um bárbaro.” Ela é global, navega sem algemas e não traz na coleira os rótulos e os clichés da arte clássica, moderna ou contemporânea, não é domada pelo poder hegemónico dos mercados da arte e não se deixa impressionar pelo discurso pedantescamente erudito e nada dizente de alguns críticos de arte. Embora a sua unicidade, originalidade e a sua efemeridade constituam, ainda, uma questão fundamental para aclarar e solucionar, a arte digital, descoberta acidentalmente pelo cientista, pelo matemático, e abraçada com entusiasmo, por alguns artista pioneiros na década de setenta e oitenta, atingiu hoje a sua assumpção plena no mundo da arte contemporânea.