O alemão Wolf Lieser, director do DAM, Museu
de Arte Digital, definiu, desta maneira, essa expressão artística: “Fazem parte da arte digital as obras
artísticas que, tendo por um lado uma linguagem visual especificamente
mediática, revelam, por outro, as metacaraterísticas do meio.” De um modo mais
claro e abrangente, podemos afirmar que todas as manifestações artísticas,
criadas em ambiente gráfico computacional, através da utilização das
ferramentas dos vários programas software, podem ser consideradas arte digital.
Actualmente,
com o amplo poder e influência das tecnologias digitais nas várias linguagens
de expressão artística e, à falta de análises e estudos para definir critérios
rigorosos com o fim de estabelecer fronteiras, tudo o que é concebido e
produzido neste âmbito, tem sido considerado arte, neste caso específico, arte
digital.
A primeira
utilização do computador para conceber arte, embora que, na sua maioria, tenham
sido padrões geométricos, começou nos fins dos anos cinquenta, quando o
cientista, ainda que de maneira ocasional, se deparou com essa possibilidade.
Nos anos posteriores, o cientista, ao transmitir a sua experiência ao artista,
chegou a vez deste, agora de um modo intencional, começar a produzir as suas criações,
consideradas ainda experimentalismos. Estava em marcha uma revolução digital,
primeiramente tecnológica, da qual a arte se iria apoderar para criar
manifestações artísticas que, no seu modo de produção, reflectiam o seu tempo.
Entre
outros, foi Manfred Mohr, artista de origem alemã, quem mais se destacou na
aurora da arte digital, realizando em 1971 uma exposição individual na ARC-
Museu de Arte Moderna da cidade de Paris, que iria ficar na história como a
primeira mostra de arte gerada num computador. Sendo considerado o seu
pioneiro, diz-se, sublinhando o seu trabalho, que Manfred Mohr ensinou o
computador a fazer arte. Ele próprio declarou: “A ideia de criar arte a partir de algoritmos é o ponto central do meu
trabalho, onde uma lógica não visual irá criar uma obra visual. Isto é a parte
mais excitante deste processo.” O seu trabalho, resultante da procura de
uma arte racional, é fortemente geométrico, conceptual, chegando até nós em
desenhos e pinturas minimalistas.
Outro
pioneiro na área da computação gráfica, animação e arte digital foi o americano
Charles Csuri que, já em 1964, decidiu transformar o computador numa ferramenta
para os artistas. Pintor e, a partir de 1978, Professor na Universidade de
Ohio, muito cedo ficou fascinado com o computador e as suas potencialidades
como ferramenta para o desenvolvimento da arte digital, sendo um dos artistas
mais reconhecidos e mais laureados nesta área. Foi, em 1987, o fundador do
Advanced Computing Center for the Arts and Design (Centro de Computação Avançado
para as Artes e o Design), da Universidade de Ohio, destinado ao
desenvolvimento da arte digital e da animação computacional.
Só mais
tarde, a partir da segunda metade da década de setenta e, principalmente, durante
a década de oitenta, como consequência da evolução tecnológica dos
computadores, gerando a produção de arte vídeo, temas de animação, gravura, a
arte digital adquiriu estatuto e começou a ser mostrada ao público, sendo
entendida no contexto da arte contemporânea.
A
utilização de programas específicos e das suas ferramentas disponíveis para a edição
de imagens digitais, é feita por Pintomeira desde 2009, na criação dos seus trabalhos
de expressão artística, tendo, a série de obras realizadas nesse período, sido
denominada de Click Art.
A sua
produção de obras neste género artístico, resume-se à feitura de pinturas e
desenhos realizados, essencialmente, por dois ou três programas disponíveis no
ambiente gráfico do computador, através das suas técnicas criativas, que
simulam aquelas utilizadas na arte tradicional. Essas criações artísticas
existem armazenadas em suporte digital e exibidas no espaço virtual. No
entanto, o autor definiu que esse caminho, colocado ao seu dispor pelos
respectivos programas computacionais, seria apenas a primeira fase de um
processo mais vasto e completo. O artista tem consciência de que esse exercício
criativo elaborado em computador, sendo de carácter efémero e carecendo de
unicidade, não contextualiza nem se insere na definição do que é considerado
arte na sua forma mais convencional. Não havendo uma definição única e
objectiva que nos diga, com clareza, o que é arte, entramos aqui numa
ambiguidade. Mas, exactamente isso, poderá formar uma das muitas definições
para a arte: um conjunto de ambiguidades.
Pintomeira,
possuindo um longo percurso na criação artística, mais acentuadamente, na área
das artes plásticas, sendo a pintura a mais trabalhada, sabe concluir que esta,
existindo expressa na matéria física, não pode ser comparada, por via da sua
existência em ambiente virtual, com aquela. Mas, também já concluiu que o
processo criativo, quer na sua abordagem racional ou numa aproximação ao
subjectivo ou ao emotivo, não está dependente do suporte, das ferramentas, da
técnica ou tecnologia utilizadas. Ele sabe que os seus trabalhos criativos
produzidos através das ferramentas próprias de um programa computacional e
expostos em ambiente virtual são, assim mesmo, considerados arte digital e,
actualmente, colocados no multidimensional e plurifacetado contexto da arte
contemporânea.
Chegou
agora, conforme planeado pelo artista, o momento de avançar para a fase segunda
deste processo de criação de arte digital que, parcialmente, vai deixar de o
ser. Considerando que a arte digital incorpora, por via do seu modus faciendi, ciência, tecnologia e
arte, Pintomeira, não se sentindo preenchido nem confortável com as
características inerentes a uma redutiva visão de arte partilhada em rede,
através de uma galeria virtual, vai transferir esse seu trabalho elaborado em
computador, para os suportes convencionais.
O autor
que, numa primeira fase conceptual, habitou num ambiente digital de criação artística,
entrando em ruptura com o convencional, regressa, agora, ao seu lugar de
conforto, no campo da expressão estética, para dar forma física e palpável a um
trabalho que até aqui, existia só, virtualmente. Retirando-lhe a ciência e a
tecnologia, esse trabalho artístico vai passar para o seu atelier e aí para o
papel ou para a tela, usando para esse exercício as técnicas convencionais da
pintura.
Conceptualmente,
na sua génese, na sua ideia primeira, esse trabalho vai continuar a ser arte
digital, transportando consigo esse ADN do momento primeiro da sua construção
estética, realizada com as ferramentas digitais de um programa de edição de
imagens. Contudo, Pintomeira, ao fazer a transposição da imagem digital para o
papel ou para a tela, vai elaborar uma cópia desta, utilizando uma técnica
muito diferenciada daquela que esteve na origem da construção do original. Neste
exercício, considerando que a arte digital provém, na sua génese, de uma imagem
produzida na mente, tal como acontece nas outras formas tradicionais de
expressão artística, nada mudando conceptualmente, pouco mudando na sua
construção formal e cromática, irá mudar alguma coisa na sua expressão
estética, embora, não se perdendo nada da sua qualidade.
A
apresentação, sendo notoriamente diferente, irá trazer consigo, por via das
características dos materiais utilizados, também uma aparência diferente. Esta arte
digital, uma vez transferido o seu alter
conceptum do ficheiro do computador para o atelier do artista, para ser
convertido em pintura de técnicas tradicionais, continuará a residir na galeria
virtual, no formato original da sua concepção única. Ela vai continuar no útero
tecnológico que a gerou, fecundada e conceptualizada pela capacidade imagética
e sensibilidade estética do seu autor.
No seu
formato original, as suas obras configuradas no género “arte digital,” com uma
específica linguagem mediática, estão partilhadas em rede através do seu site e
blog, assim como noutras galerias virtuais disponibilizadas pela internet aos
seus utilizadores online. Pintomeira aceitou ser seduzido por este género de
intervenção artística, por esta inovação tecnológica que lhe oferece
ferramentas para conceber arte digital, porque esta, citando Aquilino Ribeiro, “...é independente, original e inteiriça
como um bárbaro.” Ela é global, navega sem algemas e não traz na coleira os
rótulos e os clichés da arte clássica, moderna ou contemporânea, não é domada
pelo poder hegemónico dos mercados da arte e não se deixa impressionar pelo
discurso pedantescamente erudito e nada dizente de alguns críticos de arte.
Embora a sua unicidade, originalidade e a sua efemeridade constituam, ainda,
uma questão fundamental para aclarar e solucionar, a arte digital, descoberta
acidentalmente pelo cientista, pelo matemático, e abraçada com entusiasmo, por
alguns artista pioneiros na década de setenta e oitenta, atingiu hoje a sua
assumpção plena no mundo da arte contemporânea.