A
paisagem é um género pictórico que sempre ocupou um lugar secundário, sendo
subestimado pela hierarquia académica até ao século XVIII. Durante a idade
média e no renascimento, a paisagem surge como fundo de representações
artísticas, divinas ou mitológicas, e não como a obra principal.
Giotto,
no século XIV, ao trazer a perspectiva para a pintura, introduziu o espaço
tridimensional, deixando para trás o fundo plano, muitas vezes dourado, do
período bizantino sobre o qual eram pintadas representações sagradas. No
entanto, mesmo em Giotto, a importância era sempre dada à figuração divina,
aparecendo a paisagem como um fundo da obra ou espaço subordinado e suplementar
mostrado em pequenos detalhes apresentados através de uma árvore, um pouco de
céu, ou uma rocha, quase sempre pintados pelos seus ajudantes.
Só no
século XVII, as academias passaram a considerar a paisagem como pintura de género,
embora colocada em lugar de pouco destaque, remetida ainda para a função de pano
de fundo das pinturas de história, de retrato ou outras. Foi na Holanda que ela
adquiriu o seu estatuto de pintura de género, autónoma, e se afirmou como
especialização artística, sendo então definida como a arte que representa cenas
da natureza. A reforma protestante, o desenvolvimento do colecionismo e o
aparecimento de uma sociedade burguesa constituída por ricos comerciantes, veio
substituir a preferência do clero e da nobreza pelos temas do sagrado, da
antiguidade clássica e da mitologia, pelos temas do quotidiano, menos complexos
como a paisagem ou cenas de género. Assim, a paisagem adquiriu estatuto e
autonomia iconográfica, constituindo-se como género autónomo, legitimado pelos
trabalhos de alguns pintores holandeses, que a assumiram como motivo principal,
trazendo para a tela cenas da natureza, como os polderes, moinhos de vento,
canais, caminhos com árvores, florestas e outras representações. Destacaram-se
neste género Meindert Hobbema, Salomon van Ruysdael, e Jan van Goyen.
É,
finalmente, com a chegada das últimas décadas do século XIX e com ele o
Impressionismo e o Pós-Impressionismo, que vai ser atribuído à paisagem o
destaque que, até então, lhe tinha sido negado. O artista, querendo pintar as
suas paisagens, passou a habitar a natureza, a trabalhar no meio dela e a
depender dela para a sua criação artística. Paul Cézanne, Claude Monet, Pierre
Auguste Renoir, Camille Pissaro e Van Gogh, entre outros, foram pintores que
muito contribuíram para colocar o género paisagem em lugar de relevo na
história da arte.
No
século XX, a arte moderna, no seu auge, atribuiu-lhe muito pouca importância; a
arte post-moderna ainda menos. Pintomeira iniciou a sua actividade artística no
tempo do pós-modernismo, não tendo, por esse motivo, nenhuma ligação ou
influência vinda do género paisagem. Ele nunca foi um paisagista, nunca se
deixou excitar ou sensibilizar pela expressão estética trazida pelo género em
causa. Tendo começado no surrealismo, compreende-se que, uma expressão artística
que caminha lado a lado com a realidade, pretendendo imitar a natureza, não
tenha despertado qualquer atracção ou arrebatamento no artista. Na sua geração,
o género paisagem não era, longe disso, uma vanguarda, mesmo que alguns hiper-realistas
a tenham pintado. Era, naquele tempo, (des)considerada uma ocupação mofenta ou
um hobby dos chamados pintores de domingo. As salas dos museus e galerias
prestigiadas não a reconheciam como arte vanguardista e não a mostravam. Por
outro lado, nenhum artista conceituado a pintava ou lhe dava qualquer atenção. Ultimamente,
e aparecendo como excepções, David Hockney e April Gornik, entre outros, muito
poucos, mostraram-nos algumas excelentes paisagens.
Analisando
todo o seu percurso até aos dias de hoje, pode concluir-se que Pintomeira nunca
seguiu as tendências nem nunca se deixou enredar pelas preferências das
galerias, rejeitando o mercado da arte e suas exigências que muitas vezes
estrangulavam a liberdade criativa do artista.
E,
senhor dessa liberdade, ele decidiu ter um encontro com a natureza. Afirmamos
atrás que a paisagem nunca o arrebatou e que ele nunca foi um paisagista. E
afirmamos a verdade. Mas, para ter essa certeza, ele, amante da natureza, tinha de a pintar, de a trazer para o seu atelier, e colocá-la na tela. E isso
iria acontecer.
Baseado
em algumas fotografias das planícies alentejanas, obtidas por ele numa das
viagens feitas ao seu país, Portugal, Pintomeira iniciou, no seu atelier em
Amesterdão, uma experiência sobre a paisagem que iria resultar na criação de
cerca de três dezenas de trabalhos. Todos eles pertencem hoje a colecções dispersas
por diversos países, excepto uma que o artista fez questão de conservar, talvez
para não deixar cair no esquecimento uma experiência não planeada e que,
fortuitamente, aconteceu no seu atelier, tendo lá permanecido durante três anos,
na década de oitenta.
Penso
que, após uma observação demorada das suas fotografias, ele definiu a linguagem
conceptual que melhor se ajustava a uma representação original e inovadora. Pintomeira
optou por fazer uma análise estrutural da natureza das paisagens alentejanas e
concluiu que o seu trabalho seria mais uma criação originada na racionalidade
do que num qualquer estado de alma. Não era sua ideia imitar a natureza nem ser
sensibilizado pelo seu belo intrínseco nem pelo seu bucolismo campestre,
excluindo qualquer aproximação ao arcadismo.
A
construção racional da expressão estética escolhida iria basear-se, ab initio, no imenso espaço-ar que a
imagem da planície lhe oferecia. Embora, não respeitando nenhuma regra
académica da perspectiva, a representação desse imenso espaço-ar, dessa enorme
porção de atmosfera, seria trazida pela forte ilusão de profundidade expressa através
de uma construção formal assente em traços, linhas, rectângulos e outras formas
geométricas e numa construção cromática trazendo as cores quentes para a
proximidade e remetendo os tons frios e indefinidos para o horizonte,
produzindo a aparência de lonjura: Alentejo
7. Dentro da concepção estética e
formal pré estabelecida, a composição apresenta-se minimalista, sem a
existência dos diversos elementos que normalmente preenchem uma paisagem:
árvores, rios, pessoas, animais, etc. Esta foi a linha mestra a partir da qual
ele estruturou a maioria destes seus trabalhos, havendo alguns que se
distanciaram ligeiramente dela, apresentando elementos como o esboço de casas e
uma ou outra representação de troncos de árvores, usados como linhas
geométricas de composição, mas nunca
eliminando o conceito que foi determinado inicialmente: a forte apreensão de
espaço e profundidade.
Pintomeira
realizou o seu encontro com a natureza, oferecendo-nos esta expressão artística
à volta da paisagem que, nunca tendo sido o seu género nas artes plásticas,
longe disso, ele considerou uma inevitabilidade trazê-la para o seu atelier,
onde a trabalhou, seguindo a sua própria concepção e assinatura.