A arte
nas últimas décadas do século XX e o início de uma nova decadência
Pintomeira
| Artista Plástico | Ensaísta
Arte
Conceptual
Land Art
Body Art
Performance Art
O
Regresso da Pintura
2000
| 2020
Não tendo ficado adormecido à sombra de alguma
nostalgia pelas vanguardas da arte moderna (embora ela exista) e não me
considerando, nunca, um misoneísta nem tão pouco um conservador, declaro que o mundo das artes plásticas resvalou, nas últimas duas décadas para a valeta da
decadência.
ARTE CONCEPTUAL
Na década de 60 e, principalmente, na de 70, a
chamada Arte Conceptual surgiu de mãos vazias e com a mente dos seus mentores
cheia de ideias, significados, conceitos e escritos de parede e ready-mades
de ready-mades, rejeitando e abominando a genuína obra de arte (pintura,
escultura). Pior que isso, ela conseguiu impor-se num certo meio artístico com
a aquiescência e o aplauso dos filistinistas habituais (críticos, curadores,
directores artísticos e outros).
Conceptual art | Jacek Tylicki |
1974
Clemente Greenberg1 (1909-1994), conceituado
crítico norte americano, defensor do expressionismo abstracto e, em particular,
da obra de Jackson Pollock, considerou o conceptualismo como uma reacção adversa
ao formalismo até então dominante na cena artística. Eu, fundamentado nas
afirmações escritas por Joseph Kosuth2 e Lawrence Werner3 sobre
a arte conceptual, assumo, sem embaraços, que na sua origem houve uma acomodação
preguiçosa e facilitista e um pedantismo intelectual que, segundo o crítico
britânico Julian Spalding4 “...ela (arte conceptual) ufana-se por
ser incompreensível para todos à excepção de uns poucos membros do grupo ...
artistas que produzem uma cultura de diversão”.
Arte Conceptual | Ideias Chave
Não uso nenhum púlpito, oratória ou enunciação
escrita para defender uma definição estabelecida e exclusiva de arte, ela não permite uma designação específica, uma denominação própria. Ela é o
seu próprio dogma, o seu conceito e a sua própria definição e é o artista que
lhe confere a sua afirmação material, física.
A obra de arte é preconcebida, ab initio,
na mente do seu criador, não passando nesse momento, de uma vaga e intangível ideia,
um conceito. A sua corporização e materialização, nas diversas linguagens, será
efectuada pelo artista, posteriormente, no seu estúdio.
Os conceptualistas refutam este enunciado. O
norte americano, Lawrence Werner, artista conceptual, na sua “declaration of
intent” (1968), formula que a obra não necessita de ser concretizada, afirmando
que se deveria renunciar à prática da criação de uma obra física, bastando a
sua ideia para que tal seja considerada uma obra de arte. Acentuando esse vazio
de criatividade, o seu colega Joseph Kosuth, sustentando a sua delirante
formulação “ideia-arte” afirmou que uma mera proclamação de uma qualquer
ideia artística poderia ser qualificada como uma obra de arte.
Durante as décadas acima referidas, directores
artísticos e curadores de reputados museus e de prestigiadas galerias,
acolitados por críticos embebidos num filistinismo obtuso, realizaram mostras
de elevada atracção circense, enfeitadas com obras “ideia-arte” e presenciadas
por ufanos membros do grupo e outros visitantes interrogativos, mas despojados
de respostas.
1Clement
Greenberg: Late Writings. Reputado crítico de arte, esteticista formalista
norte americano, muito ligado à arte moderna americana de meados do século XX,
2 Joseph
Kosuth (1945), é um artista conceptual norte americano / https://en.wikipedia.org/wiki/Joseph_Kosuth
3Lawrence Werner (1942), é um artista conceptual norte americano, sendo considerado uma
figura importante do “Postminimalism,s conceptual art”. / https://en.wikipedia.org/wiki/Lawrence_Weiner
4 Julian Spalding (1947) Crítico
de arte e escritor inglês, dissidente e polémico do mundo da arte / https://en.wikipedia.org/wiki/Julian_Spalding
Durante os anos setenta, vivendo em Amesterdão,
capital da Holanda, eu costumava enviar a alguns amigos, escritos a que chamava
“Cartas Condenadas.”5
Elas denunciavam uma crítica provocatória
relacionada com o advento do pós-modernismo quando o mundo da arte começava, de
olhos vendados, a procurar novos caminhos e a tropeçar nas instalações feitas
de pedras amontoadas nas salas dos museus, desapontando os amantes da genuína obra
de arte apavorados com tendências artísticas de uma petulante diversão.
Apresento, aqui, alguns excertos dessas cartas
condenadas:
“Eis-me, expectante, sentado em poltrona alta,
olhando a alva tela! Textura morta sedenta de agitações vivas e vibrantes.
Eis-me, extasiado de torneira redondamente aberta, jorrando beleza convulsiva e
curvilínea e revolta em espiral para o palco da representação, onde a alva tela
será violentada por pinceladas de exaltação oval.
...Ah! sarcasmo gigante, ironia, como comboio
veloz, esbelto, próximo do descarrilamento. Descoberta de linhas e traços como
barco à deriva avistando porto desconhecido.
Rebuscarei e cinzelarei a pedra até à descoberta
da nova forma. Romperei as botas que para isso forem necessárias e dançarei a
louca Primavera sobre a mesa da delícia, esperando o sol do Verão tórrido.
Nada de grande e sublime foi criado sem exaltação
nem paixão!
Nunca puritano, celebrarei sempre a nova ideia e
levantarei a minha taça bebendo ao meu renascimento contínuo.
Assim suprimirei a névoa e iluminarei o espaço
entre mim e a cândida tela-linho para, finalmente, sentir o labor do pincel, o
aroma do pigmento, no êxtase da cor e da forma. Depois, nada existe que não
tenha jorrado das minhas entranhas e atravessado o salão azul do meu
inconsciente.”
5 Publicações em diversas magazines de arte e letras e textos sobre artes plásticas
LAND ART
Os fortes movimentos da contracultura e do anti-establishment
na última metade dos anos 60 e durante a década de 70 foram a potente
locomotiva que abalroou e desmantelou o “statu quo ante”, dando lugar a um
período de delírios e devaneios na produção criativa a que o mundo da critica e
da história da arte passou a denominar de arte contemporânea. A arte moderna
passou a ser considerada um pretérito ferrugento e rançoso, embora, às
escondidas, todos viessem beber da sua fonte. As suas vanguardas, movimentos e
estilos representavam um passado que alguns museus se preparavam para retirar
das paredes e encafuar nos seus depósitos para dar lugar a algumas divagações e
efemeridades.
Embora fora das salas dos museus, uma das
efemeridades mais manifesta durante a década de 70 ficou conhecida (talvez já
esquecida) por Land Art (Earth Art). As suas criações ou embustes
artísticos eram realizados no exterior, tendo como suporte os mais diversos
espaços da natureza: as montanhas, o campo, o mar, os lagos e mesmo o deserto.
O impulso que os levou a abandonar os espaços dos
museus e galerias teve a sua germinação no movimento da contracultura Hippie6
que preconizou e experienciou, nos anos 60, a recusa dos ambientes burgueses e
urbanos e optou pelo regresso à natureza.
Os artistas da Land Art deixaram, efectivamente,
o studio e saíram para a natureza, não como os impressionistas do século XIX
que a representaram sobre a tela trazendo uma incontestável inovação para a
linguagem da pintura, mas usando-a como suporte e mesmo abusando dela para
praticar diversões de recreio e exteriorizações tão sumptuosas como insultuosas
e muitas vezes pagas pelo erário público.
A paisagem, como local de acção, não reconheceu o
intruso e a obra realizada parecia alheia e ausente, não sobreviveu e, passado
meio século e toneladas de pedra, areia e quilómetros de tecido, tudo
desapareceu, muitas vezes destruído pelos fenómenos imprevisíveis e nefastos
provocados pela exposição à própria natureza.
Land Art
O artista conhecia a curta duração da sua obra e
sabia que ela, pelas suas dimensões e características só poderia ser
concretizada fora dos espaços expositivos dos museus e galerias, manifestando,
deste modo, a sua resistência e objecção a esses ambientes e a sua desaprovação
à industrialização e comercialização da obra de arte.
Os “Land Arters” utilizavam,
predominantemente, recursos naturais, como pedras, madeira, terra, folhas,
areia e têxteis, pretendendo uma fusão da arte com a natureza, tendo constatado
uma crescente preocupação pelos problemas ecológicos. Reconhecendo a falta de
durabilidade destes trabalhos, houve o acautelamento de efectivar uma
documentação e registo em fotografia e video.
O norte americano Michael Heizer, considerado uma
figura proeminente da land art, afirmou: “Penso que a terra possui o maior potencial
porque é o material de fonte original”.
Outra figura conceituada foi o inglês Richard
Long que trabalhou formas geométricas como espirais e círculos, tendo
declarado: “Nas obras de paisagem, as pedras estão no seu lugar e ali
permanecem ...a sua selecção é usualmente ocasional”
Contribuíram para este curto divertimento,
artistas como Robert Smithson, Christo, Walter de Maria, Robert Morris, Andy
Goldsworthy e o já mencionado Richard Long.
6 Movimento que surgiu em meados dos anos 60 nos USA (Sao Francisco) e permaneceu activo até finais dos anos 70. Representava um movimento da contracultura, do anti-establishment e do pacifismo. Viviam em comunhão com a natureza e em desacordo com os valores tradicionais da classe média. Suas expressões mais conhecidas: "make love not war", "Peace and Love" e "Ban the Bomb".
BODY ART
Também classificada como uma expressão da arte
contemporânea dos anos 70, surge a Body Art, onde o corpo do seu
autor era o seu próprio suporte.
Assim como a Land Art, também esta expressão
artística teve a sua prenhez durante a segunda metade dos anos 60, expressa nas
exteriorizações do movimento Hippie. Estes artistas desenvolviam a sua
linguagem estética usando
a cultura do corpo, libertos de preconceitos e,
uma vez adquirida a tão ambicionada liberdade sexual, exibiam a sua nudez e
erotismo para realizar trabalhos de pinturas muito cromáticas e vivazes, mas
finitas e fugazes no tempo.
A forte ideia carnavalesca denunciava o desejo de
afastar a prática tradicional da brush - and – canvas onde a
história da arte se tinha centrado. Ela manifestava, muitas vezes, o narcisismo
e o egocentrismo do artista que nunca conseguiu cativar o entusiasmo de um
público que defraudado, voltava as costas a esses momentos de diversão.
Mesmo assim, não rejeito a beleza e a sensualidade
do movimento body art na utilização do corpo total ou parcial e desnudo,
tornando a sua prática numa efectiva manifestação da expressão estética e
artística.
PERFORMANCE ART
A Performance Art, irrompe, também, museus
adentro como uma expressão das artes visuais, principalmente no início da
década de 70. A sua hibridade faz com que ela apareça noutras linguagens como
palcos de teatro ou podia de concertos musicais. Ao contrário do
Happening, aqui o artista(s) é o autor único e central de todas as atenções.
Este exibicionismo pacóvio tem a vantagem de ser passageiro e efémero. O
performer(s), tão irreverente como petulante, nutria o secreto desejo de se
transformar numa obra de arte viva e permanente do museu, deleitando-se com a
eternidade da fama e a perene utilidade do seu corpo.
Stedelijk Museum nos anos 70 |
Amesterdão
Numa das minhas visitas ao Stedelijk Museum7 de
Amsterdão que ficava muito próximo do meu studio, nesses tempos liderado pelo
arrojado director Edy de Wilde, deparo-me, numa das suas salas, com um ser
masculino, vivo e desnudo, peludo e mudo, exibindo todo o seu corpo em
contorções e trejeitos, sobre um estreito pedestal. Era chamada uma escultura
viva na linguagem dos críticos mais entendidos sobre a matéria.
O espaço circundante era povoado por alguns
espectadores, uns absortos, alguns reflexivos e a maioria exteriorizava risos
que denunciavam gracejos de uma certa zombaria. Eu observei, distante e
imperturbável, a tribo que se divertia numa sala de um prestigiado museu que,
naquele momento, exibia uma parte do desvario da recém-denominada arte
contemporânea.
Esta intitulação, arte contemporânea, tinha
entrado, definitivamente, no léxico dos historiadores, ensaístas e críticos de
arte e a sua época tinha começado a fazer o seu trajecto, permanecendo até aos
dias de hoje, muitas vezes de um modo inadequado e incongruente.
7Museu de arte moderna e contemporânea (século XX e XXI) de
Amesterdão, Holanda. Possui um notável acervo de cerca de 100.000 peças onde se
destacam obras de Henry Matisse, Marc Chagal, Kasimir Malevvich, Piet Mondrian,
Wassily Kandinsky, Jackson Pollock, Karel Appel, Andy Warhol, entre outros.
O REGRESSO DA PINTURA
A década de 80 viveu uma explosão de grande
vitalidade artística quando um grupo de jovens viraram costas à arte farsante,
excessivamente intelectualizada, hermética e “incompreensível para todos à
excepção de uns poucos membros do grupo – Julian Spalding” e regressou à
praxis da brush-and-canvas. Era o retorno à experiência sensorial da
pintura celebrado na XVIII Bienal de São Paulo, em 1985, com o dístico Grande
Tela.
Rudi Fuchs, historiador de arte e director do
Stedelijk Museum de Amesterdão durante os anos 90, declarou:
“A pintura é salvação.
Representa a liberdade de pensamento, é sua expressão triunfante. (...) O
pintor é um anjo da guarda que bendiz o mundo com sua paleta. Talvez o pintor
seja o querido dos deuses.”
Embora durante as décadas anteriores a pintura
sobre tela e outros suportes nunca tenha abandonado os studios de alguns
artistas (David Hockney, Francis Bacon, Lucien Freud, Jasper Johnes, Paula
Rego, Roy Liechtenstein e muitos outros) é um facto que o enfoque estava
instalado nas linguagens acima caracterizadas, sendo a arte conceptual a que
conquistou maior relevância e alcance internacional devido à sua diversidade
alicerçada nas inúmeras práticas e formas de expressão. Mesmo assim, creio que
o futuro Grande Livro da História da Arte não lhe irá dedicar muitas páginas
por não ter tido a capacidade de, não só, entusiasmar ou influenciar o
comportamento humano, mas também pelas suas características demasiado emproadas
e arrivistas no mundo da arte e pela sua natureza efémera.
Pool with two figures | 1972 | David Hockney
Os anos 80 marcaram o regresso das telas às
paredes dos museus e galerias de uma maneira expressiva e incontornável e
assinalaram o retorno à obra de arte criada pela técnica brush-and-canvas. A
arte minimalista, conceptual, performance, land art, Fluxus, Joseph Beuys, Wolf
Vostel e outros perderam relevância quando um grupo de jovens artistas os
confrontaram com o retorno à obra figurativa quanto ao seu aspecto formal e à
pintura sobre a tela tradicional quanto à sua execução.
Revivalismos de temas tradicionais aparecem como
expressão livre e individual, em fins de 1970 e particularmente durante a
década de 80 usando radicais e adjectivos como trans, neo, pós e libre que começaram
a fazer parte do léxico de textos e ensaios escritos por críticos e
historiadores sobre a nova Pintura. Esta secular linguagem imagética estava de
regresso às nuas paredes dos espaços expositivos tradicionais, trazendo com ela
multidões de espectadores sequiosos das criações pictóricas nas artes plásticas
e que tinham sido desaprovadas ou mesmo proscritas por alguns mentores do
conceptualismo.
A Transvanguarda foi um movimento italiano que
teve como autores de destaque Francesco Clemente, Mimmo Paladino, Enzo Cucchi e
Sandro Chia e que reagiu à Arte Povera desenvolvida durante a década anterior.
Untitled 1984 | Francesco
Clemente
Os seus trabalhos são representações figurativas,
tendo o corpo humano uma presença relevada, demonstrando uma observação e
preocupação pela individualidade e pela natureza do ser humano. A representação
desses corpos é elaborada de forma vigorosa, sobre telas de grandes dimensões
produzidas com cores e pinceladas expressivas e possantes.
O Neoexpressionismo (Neue Wilde), surgindo como
uma reacção ao minimalismo e à arte conceptual, ocorreu na Alemanha, acabando
por se expandir por outros países europeus e pelos Estados Unidos da América, principalmente
durante a década de 80.
Tal como a Transvanguarda, também considerada uma
manifestação neoexpressionista, os jovens artistas alemães do Neue Wilde, procuraram
resgatar a pintura como novo meio de expressão artístico associado, de certa
maneira, à sua identidade cultural.
Marcel's Savation 1988 | Jorg
Immendorff
Os seus artistas dedicaram-se ao desenvolvimento
de uma expressão imagética do corpo humano e objectos, usando materiais
diversos como palha, ferro, louça quebrada, chumbo e outros meios vulgares e
simples. A tela de grandes dimensões era o espaço preferido para as suas
representações estéticas onde a figuração era expressa com intensidade e vibração,
muitas vezes associada a propósitos e intenções políticas, mitológicas ou
religiosas e a um imaginário de simbolismos.
Na Alemanha, os artistas Jorg Immendorff, Markus
Lupertz, Georg Baselitz, Anselm Kiefer e A.R. Penck foram os grandes praticantes
e impulsionadores desta nova tendência de expressão plástica.
Nos Estados Unidos da América, principalmente no
meio artístico de Nova York, o neoexpressionismo teve também a sua relevância e
forte expressão, destacando a obra de Jean Michel Basquiat, Julian Schnabel e
Eric Fischl.
Untitled 1889 | Rémy Blanchard
Na França, o regresso à Pintura, à praxis da brush-and-canvas
acontece no início dos anos 80. Emanado de uma rejeição drástica e enérgica
à arte desmedidamente intelectual e anafada por uma narrativa de retórica
pedante que dominou as duas décadas anteriores, o movimento chamado Figuration
Libre era caracterizado por uma expressão imagética fortemente figurativa e
vigorosamente cromática.
Distinguiram-se como importantes protagonistas
deste movimento os artistas Robert Combas, Remi Blanchard, Richard Di Rosa e
Francois Boisrond. Este último formulou desta maneira as motivações do grupo: “Nós
estávamos fascinados pela art brut, pelo hard rock, pelas manifestações
punk.... por tudo o que era popular, violento e medíocre... mergulhar na
cultura mais desprezada e confrontar o quotidiano, renovar as temáticas e viver
a pintura do presente.”
O regresso dos artistas aos ateliers e à Pintura,
na década de 80, coincidiu com uma grande euforia no mercada da arte, criando
grande excitação comercial e especulativa, ao mesmo tempo que tudo parecia ser
considerado arte e tudo se comprava ou se vendia.
2000 . 2020
Apesar de o brush-and-canvas ainda
tivesse tido continuidade durante a década de 90, a relevância dedicada a essa
prática foi-se perdendo uma vez que a atenção dos novos críticos, curadores e
galeristas começaram a desviar os interesses do mercado para outras linguagens
que iriam transverter e mesmo defraudar o mundo da arte.
Nas últimas duas décadas (2000-2020), os
agentes do mundo da arte, os novos filistinistas, quiseram impor ao especulativo
mercado, uma bagunça criativa de produtos fabricados por artistas que, oportuna
e habilidosamente, aceitaram uma posição de tutela e subordinação a esses
mesmos agentes e a esse mesmo mercado. Galvanizados pela nova linha seguida
pelas bienais de prestígio e incentivados por alguns desviantes directores de
museus e galerias, o novo artista transformou-se num fazedor de qualquer coisa
fortuita e aleatória, muitas vezes gigantesca, que pudesse encher as salas
desses espaços expositivos.
Contratados pelos fazedores destas
expressões artísticas, carpinteiros, operários ferreiros, pedreiros e
bordadeiras começaram a produzir revivalismos de ready mades e outros devaneios
nada inovadores ou, segundo Julian Spalding: “...pretensiosas profanidades
arrancadas do alto da cabeça dos artistas.
Instalação
Trabalhos como
fotografias de aniversário e turismo, fortuitas instalações de bricolage,
acumulação, ao acaso, de destroços e lixo, ready-mades de ready-mades,
transformações levianas e aleatórias e gigantes objectos de uma enorme vulgaridade,
tem confiscado, nas últimas décadas, grande parte dos espaços de museus e
galerias.
Insurjo-me de
uma maneira inexorável contra esta produção fraudatória e ardilosa fabricada
por artistas indolentes e acomodados a um sistema sustentado por galeristas,
curadores e directores artísticos que detêm um desmesurado poder no mercado e a responsáveis pela gestão de políticas da
cultura quando estas utilizam o erário público para a realização de extravagâncias
e aberrações que fazem parte de projectos urbanos que a maioria da população
rejeita.
O Grande Livro
da História da Arte, construído ao longo de séculos, mas principalmente desde
Georgio Vasari (1511-1574), transporta dentro do seu sagrado e imensurável
miolo o testemunho do iluminado e magnificente talento de prodigiosos artistas
renovadores e vanguardistas que aprendemos a admirar e a reconhecer.
Confrontando uns presunçosos praticantes do conceptual e outros farsantes "instaladores" e "construtores" do contemporâneo, trago aqui alguns nomes sagrados desses prodigiosos artistas que, através dos tempos, inovaram e enriqueceram, de facto, a História da Arte: Giotto Di Bondone, Andrea Mantegna, Piero della Francesca, Sandro Boticelli, Leonardo Da Vinci, Michelangelo Buonarroti, Rembrandt van Rijn, Diego Velasquez, Johannes Vermeer, Nicolas Poussin, Jean-Honoré Fragonard, Eugene Delacroix, Francisco de Goya, Gustave Courbet, Paul Cezanne, Vincent van Gogh, Henry Matisse, Pablo Picasso, Wassily Kandinsky, Salvador Dali, René Magritte, Jackson Pollock, Willem de Koning, Karel Appel, Andy Wahrol, Roy Lichtenstein, David Hockney, Markus Lupertz, Anselm Kiefer, Eric Fishl, Paula Rego, Francis Bacon, Banksy, Vhils, entre muitos outros.
Esse sagrado livro
não pode ser desonrado com páginas onde são referidas manifestações de “...pretensiosas
profanidades arrancadas do alto da cabeça de alguns artistas”, citando de novo Julian Spalding. Tais manifestações foram instigadas por um
especulativo e poderoso mercado ligado e maquinado pelos, já muitas vezes, mencionados
filistinistas (galeristas, curadores e directores artísticos), nas últimas décadas.
"Este sistema que alimenta um dissimulado e enganoso ambiente artístico é,
agora, capaz de transformar um qualquer “instalador” ou “constructor” numa
pessoa famosa e endinheirada, mas é incapaz de fazer dele um Artista", (in É urgente autopsiar a bexiga da arte moribunda).
Principalmente, durante as duas
últimas décadas (2000 . 2020), a mudança mais significativa no mundo da arte foi
a maneira como o mesmo foi alavancado e comercializado pelos seus agentes e não
com o surgimento de um movimento inovador, vanguarda ou novo estilo. Hoje, o mundo da arte assemelha-se
muito mais a uma corporação multinacional, a uma empresa cotada em bolsa, a uma indústria de pequenas e micro empresas do que
a um conjunto de artistas criadores e inovadores ligados a instituições de promoção cultural.
Escrito segundo as regras do anterior acordo
ortográfico
Pintomeira | 2021