2.7.20

 

A arte nas últimas décadas do século XX e o início de uma nova decadência

 

Pintomeira

Artista Plástico | Ensaísta

 

 

Arte Conceptual

Land Art

Body Art

Performance Art

O Regresso da Pintura

2000 | 2020

 

 

Não tendo ficado adormecido à sombra de alguma nostalgia pelas vanguardas da arte moderna (embora ela exista) e não me considerando, nunca, um misoneísta nem tão pouco um conservador, declaro que o mundo das artes plásticas resvalou, nas últimas duas décadas para a valeta da decadência.

 

ARTE CONCEPTUAL  


Na década de 60 e, principalmente, na de 70, a chamada Arte Conceptual surgiu de mãos vazias e com a mente dos seus mentores cheia de ideias, significados, conceitos e escritos de parede e ready-mades de ready-mades, rejeitando e abominando a genuína obra de arte (pintura, escultura). Pior que isso, ela conseguiu impor-se num certo meio artístico com a aquiescência e o aplauso dos filistinistas habituais (críticos, curadores, directores artísticos e outros). 

 

Conceptual art | Jacek Tylicki | 1974

 

Clemente Greenberg1 (1909-1994), conceituado crítico norte americano, defensor do expressionismo abstracto e, em particular, da obra de Jackson Pollock, considerou o conceptualismo como uma reacção adversa ao formalismo até então dominante na cena artística. Eu, fundamentado nas afirmações escritas por Joseph Kosuth2 e Lawrence Werner3 sobre a arte conceptual, assumo, sem embaraços que, na sua origem, houve uma acomodação preguiçosa e facilitista e um pedantismo intelectual. Cito, aqui, o crítico britânico Julian Spalding4 “...ela (arte conceptual) ufana-se por ser incompreensível para todos à excepção de uns poucos membros do grupo ... artistas que produzem uma cultura de diversão”.

 

Arte Conceptual | Ideias Chave

 

Não uso nenhum púlpito, oratória ou enunciação escrita para defender uma definição estabelecida e exclusiva de arte já que ela não permite uma designação específica, uma denominação própria. Ela é o seu próprio dogma, o seu conceito e a sua própria definição, sendo  o artista que lhe confere a sua afirmação material, física.

A obra de arte é preconcebida, ab initio, na mente do seu criador, não passando nesse momento, de uma vaga e intangível ideia, um conceito. A sua corporização e materialização, nas diversas linguagens, será efectuada pelo artista, posteriormente, no seu estúdio.

Os conceptualistas refutam este enunciado. O norte americano, Lawrence Werner, artista conceptual, na sua “declaration of intent” (1968), formula que a obra não necessita de ser concretizada, afirmando que se deveria renunciar à prática da criação de uma obra física, bastando a sua ideia para que tal seja considerada uma obra de arte. Acentuando esse vazio de criatividade, o seu colega Joseph Kosuth, sustentando a sua delirante formulação “ideia-arte” afirmou que uma mera proclamação de uma qualquer ideia artística poderia ser qualificada como uma obra de arte.

Durante as décadas acima referidas, directores artísticos e curadores de reputados museus e de prestigiadas galerias, acolitados por críticos embebidos num filistinismo obtuso, realizaram mostras de elevada atracção circense, enfeitadas com obras “ideia-arte” e presenciadas por ufanos membros do grupo e outros visitantes interrogativos, mas despojados de respostas.

 

1Clement Greenberg: Late Writings. Reputado crítico de arte, esteticista formalista norte americano, muito ligado à arte moderna americana de meados do século XX,

2 Joseph Kosuth (1945), é um artista conceptual norte americano / https://en.wikipedia.org/wiki/Joseph_Kosuth

3Lawrence Werner (1942), é um artista conceptual norte americano, sendo considerado uma figura importante do “Postminimalism,s conceptual art”. / https://en.wikipedia.org/wiki/Lawrence_Weiner

4 Julian Spalding (1947) Crítico de arte e escritor inglês, dissidente e polémico do mundo da arte / https://en.wikipedia.org/wiki/Julian_Spalding

 

 

Durante os anos setenta, vivendo em Amesterdão, capital da Holanda, eu costumava enviar a alguns amigos, escritos a que chamava “Cartas Condenadas.”5

Elas denunciavam uma crítica provocatória relacionada com o advento do pós-modernismo quando o mundo da arte começava, de olhos vendados, a procurar novos caminhos e a tropeçar nas instalações feitas de pedras amontoadas nas salas dos museus, desapontando os amantes da genuína obra de arte, apavorados com tendências artísticas de uma petulante diversão.

Apresento, aqui, alguns excertos dessas cartas condenadas:

“Eis-me, expectante, sentado em poltrona alta, olhando a alva tela! Textura morta sedenta de agitações vivas e vibrantes. Eis-me, extasiado de torneira redondamente aberta, jorrando beleza convulsiva e curvilínea e revolta em espiral para o palco da representação, onde a alva tela será violentada por pinceladas de exaltação oval.

...Ah! sarcasmo gigante, ironia, como comboio veloz, esbelto, próximo do descarrilamento. Descoberta de linhas e traços como barco à deriva avistando porto desconhecido.

Rebuscarei e cinzelarei a pedra até à descoberta da nova forma. Romperei as botas que para isso forem necessárias e dançarei a louca Primavera sobre a mesa da delícia, esperando o sol do Verão tórrido.

Nada de grande e sublime foi criado sem exaltação nem paixão!

Nunca puritano, celebrarei sempre a nova ideia e levantarei a minha taça bebendo ao meu renascimento contínuo.

Assim suprimirei a névoa e iluminarei o espaço entre mim e a cândida tela-linho para, finalmente, sentir o labor do pincel, o aroma do pigmento, no êxtase da cor e da forma. Depois, nada existe que não tenha jorrado das minhas entranhas e atravessado o salão azul do meu inconsciente.”

 

 5 Publicações em diversas magazines de arte e letras e textos sobre artes plásticas

   

 

LAND ART

 

Os fortes movimentos da contracultura e do anti-establishment na última metade dos anos 60 e durante a década de 70 foram a potente locomotiva que abalroou e desmantelou o “statu quo ante”, dando lugar a um período de delírios e devaneios na produção criativa a que o mundo da critica e da história da arte passou a denominar de arte contemporânea. A arte moderna passou a ser considerada um pretérito ferrugento e rançoso, embora, às escondidas, todos viessem beber da sua fonte. As suas vanguardas, movimentos e estilos representavam um passado que alguns museus se preparavam para retirar das paredes e encafuar nos seus depósitos para dar lugar a algumas divagações e efemeridades.

Embora fora das salas dos museus, uma das efemeridades mais manifesta durante a década de 70 ficou conhecida (talvez já esquecida) por Land Art (Earth Art). As suas criações ou embustes artísticos eram realizados no exterior, tendo como suporte os mais diversos espaços da natureza: as montanhas, o campo, o mar, os lagos e mesmo o deserto.

O impulso que os levou a abandonar os espaços dos museus e galerias teve a sua germinação no movimento da contracultura Hippie6 que preconizou e experienciou, nos anos 60, a recusa dos ambientes burgueses e urbanos e optou pelo regresso à natureza.

Os artistas da Land Art deixaram, efectivamente, o studio e saíram para a natureza, não como os impressionistas do século XIX que a representaram sobre a tela trazendo uma incontestável inovação para a linguagem da pintura, mas usando-a como suporte e mesmo abusando dela para praticar diversões de recreio e exteriorizações tão sumptuosas como insultuosas e muitas vezes pagas pelo erário público.

A paisagem, como local de acção, não reconheceu o intruso e a obra realizada parecia alheia e ausente, não sobreviveu e, passado meio século e toneladas de pedra, areia e quilómetros de tecido, tudo desapareceu, muitas vezes destruído pelos fenómenos imprevisíveis e nefastos provocados pela exposição à própria natureza.

 

                                                                 Land Art

 

O artista conhecia a curta duração da sua obra e sabia que ela, pelas suas dimensões e características só poderia ser concretizada fora dos espaços expositivos dos museus e galerias, manifestando, deste modo, a sua resistência e objecção a esses ambientes e a sua desaprovação à industrialização e comercialização da obra de arte.

Os “Land Arters” utilizavam, predominantemente, recursos naturais, como pedras, madeira, terra, folhas, areia e têxteis, pretendendo uma fusão da arte com a natureza, tendo constatado uma crescente preocupação pelos problemas ecológicos. Reconhecendo a falta de durabilidade destes trabalhos, houve o acautelamento de efectivar uma documentação e registo em fotografia e video.

O norte americano Michael Heizer, considerado uma figura proeminente da land art, afirmou: “Penso que a terra possui o maior potencial porque é o material de fonte original”.

Outra figura conceituada foi o inglês Richard Long que trabalhou formas geométricas como espirais e círculos, tendo declarado: “Nas obras de paisagem, as pedras estão no seu lugar e ali permanecem ...a sua selecção é usualmente ocasional”

Contribuíram para este curto divertimento, artistas como Robert Smithson, Christo, Walter de Maria, Robert Morris, Andy Goldsworthy e o já mencionado Richard Long. 

 

6 Movimento que surgiu em meados dos anos 60 nos USA (Sao Francisco) e permaneceu activo até finais dos anos 70. Representava um movimento da contracultura, do anti-establishment e do pacifismo. Viviam em comunhão com a natureza e em desacordo com os valores tradicionais da classe média. Suas expressões mais conhecidas: "make love not war", "Peace and Love" e "Ban the Bomb".

 

BODY ART


Também classificada como uma expressão da arte contemporânea dos anos 70, surge a Body Art, onde o corpo do seu autor era o seu próprio suporte.

Assim como a Land Art, também esta expressão artística teve a sua prenhez durante a segunda metade dos anos 60, expressa nas exteriorizações do movimento Hippie. Estes artistas desenvolviam a sua linguagem estética usando

a cultura do corpo, libertos de preconceitos e, uma vez adquirida a tão ambicionada liberdade sexual, exibiam a sua nudez e erotismo para realizar trabalhos de pinturas muito cromáticas e vivazes, mas finitas e fugazes no tempo.

A forte ideia carnavalesca denunciava o desejo de afastar a prática tradicional da brush - and – canvas onde a história da arte se tinha centrado. Ela manifestava, muitas vezes, o narcisismo e o egocentrismo do artista que nunca conseguiu cativar o entusiasmo de um público que defraudado, voltava as costas a esses momentos de diversão.

Mesmo assim, não rejeito a beleza e a sensualidade do movimento body art na utilização do corpo total ou parcial e desnudo, tornando a sua prática numa efectiva manifestação da expressão estética e artística.

 

 

PERFORMANCE ART 


A Performance Art, irrompe, também, museus adentro como uma expressão das artes visuais, principalmente no início da década de 70. A sua hibridade faz com que ela apareça noutras linguagens como palcos de teatro ou podia de concertos musicais. Ao contrário do Happening, aqui o artista(s) é o autor único e central de todas as atenções. Este exibicionismo pacóvio tem a vantagem de ser passageiro e efémero. O performer(s), tão irreverente como petulante, nutria o secreto desejo de se transformar numa obra de arte viva e permanente do museu, deleitando-se com a eternidade da fama e a perene utilidade do seu corpo.

 

Stedelijk Museum nos anos 70 | Amesterdão

 

Numa das minhas visitas ao Stedelijk Museum7 de Amsterdão que ficava muito próximo do meu studio, nesses tempos liderado pelo arrojado director Edy de Wilde, deparo-me, numa das suas salas, com um ser masculino, vivo e desnudo, peludo e mudo, exibindo todo o seu corpo em contorções e trejeitos, sobre um estreito pedestal. Era chamada uma escultura viva na linguagem dos críticos mais entendidos sobre a matéria.

 

O espaço circundante era povoado por alguns espectadores, uns absortos, alguns reflexivos e a maioria exteriorizava risos que denunciavam gracejos de uma certa zombaria. Eu observei, distante e imperturbável, a tribo que se divertia numa sala de um prestigiado museu que, naquele momento, exibia uma parte do desvario da recém-denominada arte contemporânea.

Esta intitulação, arte contemporânea, tinha entrado, definitivamente, no léxico dos historiadores, ensaístas e críticos de arte e a sua época tinha começado a fazer o seu trajecto, permanecendo até aos dias de hoje, muitas vezes de um modo inadequado e incongruente.

 

7Museu de arte moderna e contemporânea (século XX e XXI) de Amesterdão, Holanda. Possui um notável acervo de cerca de 100.000 peças onde se destacam obras de Henry Matisse, Marc Chagal, Kasimir Malevvich, Piet Mondrian, Wassily Kandinsky, Jackson Pollock, Karel Appel, Andy Warhol, entre outros.

 

O REGRESSO DA PINTURA

 

A década de 80 viveu uma explosão de grande vitalidade artística quando um grupo de jovens viraram costas à arte farsante, excessivamente intelectualizada, hermética e “incompreensível para todos à excepção de uns poucos membros do grupo – Julian Spalding” e regressou à praxis da brush-and-canvas. Era o retorno à experiência sensorial da pintura celebrado na XVIII Bienal de São Paulo, em 1985, com o dístico Grande Tela.

Rudi Fuchs, historiador de arte e director do Stedelijk Museum de Amesterdão durante os anos 90, declarou:

“A pintura é salvação. Representa a liberdade de pensamento, é sua expressão triunfante. (...) O pintor é um anjo da guarda que bendiz o mundo com sua paleta. Talvez o pintor seja o querido dos deuses.”

 

Embora durante as décadas anteriores a pintura sobre tela e outros suportes nunca tenha abandonado os studios de alguns artistas (David Hockney, Francis Bacon, Lucien Freud, Jasper Johnes, Paula Rego, Roy Liechtenstein e muitos outros) é um facto que o enfoque estava instalado nas linguagens acima caracterizadas, sendo a arte conceptual a que conquistou maior relevância e alcance internacional devido à sua diversidade alicerçada nas inúmeras práticas e formas de expressão. Mesmo assim, creio que o futuro Grande Livro da História da Arte não lhe irá dedicar muitas páginas por não ter tido a capacidade de, não só, entusiasmar ou influenciar o comportamento humano, mas também pelas suas características demasiado emproadas e arrivistas no mundo da arte e pela sua natureza efémera.

 


Pool with two figures | 1972 | David Hockney

 

Os anos 80 marcaram o regresso das telas às paredes dos museus e galerias de uma maneira expressiva e incontornável e assinalaram o retorno à obra de arte criada pela técnica brush-and-canvas. A arte minimalista, conceptual, performance, land art, Fluxus, Joseph Beuys, Wolf Vostel e outros perderam relevância quando um grupo de jovens artistas os confrontaram com o retorno à obra figurativa quanto ao seu aspecto formal e à pintura sobre a tela tradicional quanto à sua execução.

Revivalismos de temas tradicionais aparecem como expressão livre e individual, em fins de 1970 e particularmente durante a década de 80 usando radicais e adjectivos como trans, neo, pós e libre que começaram a fazer parte do léxico de textos e ensaios escritos por críticos e historiadores sobre a nova Pintura. Esta secular linguagem imagética estava de regresso às nuas paredes dos espaços expositivos tradicionais, trazendo com ela multidões de espectadores sequiosos das criações pictóricas nas artes plásticas e que tinham sido desaprovadas ou mesmo proscritas por alguns mentores do conceptualismo. 

A Transvanguarda foi um movimento italiano que teve como autores de destaque Francesco Clemente, Mimmo Paladino, Enzo Cucchi e Sandro Chia e que reagiu à Arte Povera desenvolvida durante a década anterior.

 

Untitled 1984 | Francesco Clemente

Os seus trabalhos são representações figurativas, tendo o corpo humano uma presença relevada, demonstrando uma observação e preocupação pela individualidade e pela natureza do ser humano. A representação desses corpos é elaborada de forma vigorosa, sobre telas de grandes dimensões produzidas com cores e pinceladas expressivas e possantes.

O Neoexpressionismo (Neue Wilde), surgindo como uma reacção ao minimalismo e à arte conceptual, ocorreu na Alemanha, acabando por se expandir por outros países europeus e pelos Estados Unidos da América, principalmente durante a década de 80.

Tal como a Transvanguarda, também considerada uma manifestação neoexpressionista, os jovens artistas alemães do Neue Wilde, procuraram resgatar a pintura como novo meio de expressão artístico associado, de certa maneira, à sua identidade cultural.

 


Marcel's Savation 1988 | Jorg Immendorff

 

Os seus artistas dedicaram-se ao desenvolvimento de uma expressão imagética do corpo humano e objectos, usando materiais diversos como palha, ferro, louça quebrada, chumbo e outros meios vulgares e simples. A tela de grandes dimensões era o espaço preferido para as suas representações estéticas onde a figuração era expressa com intensidade e vibração, muitas vezes associada a propósitos e intenções políticas, mitológicas ou religiosas e a um imaginário de simbolismos.

Na Alemanha, os artistas Jorg Immendorff, Markus Lupertz, Georg Baselitz, Anselm Kiefer e A.R. Penck foram os grandes praticantes e impulsionadores desta nova tendência de expressão plástica.

Nos Estados Unidos da América, principalmente no meio artístico de Nova York, o neoexpressionismo teve também a sua relevância e forte expressão, destacando a obra de Jean Michel Basquiat, Julian Schnabel e Eric Fischl.

 

Untitled 1889 | Rémy Blanchard

 

Na França, o regresso à Pintura, à praxis da brush-and-canvas acontece no início dos anos 80. Emanado de uma rejeição drástica e enérgica à arte desmedidamente intelectual e anafada por uma narrativa de retórica pedante que dominou as duas décadas anteriores, o movimento chamado Figuration Libre era caracterizado por uma expressão imagética fortemente figurativa e vigorosamente cromática.

Distinguiram-se como importantes protagonistas deste movimento os artistas Robert Combas, Remi Blanchard, Richard Di Rosa e Francois Boisrond. Este último formulou desta maneira as motivações do grupo: “Nós estávamos fascinados pela art brut, pelo hard rock, pelas manifestações punk.... por tudo o que era popular, violento e medíocre... mergulhar na cultura mais desprezada e confrontar o quotidiano, renovar as temáticas e viver a pintura do presente.”

O regresso dos artistas aos ateliers e à Pintura, na década de 80, coincidiu com uma grande euforia no mercada da arte, criando grande excitação comercial e especulativa, ao mesmo tempo que tudo parecia ser considerado arte e tudo se comprava ou se vendia.

 

2000 . 2020

Apesar de o brush-and-canvas ainda tivesse tido continuidade durante a década de 90, a relevância dedicada a essa prática foi-se perdendo uma vez que a atenção dos novos críticos, curadores e galeristas começaram a desviar os interesses do mercado para outras linguagens que iriam transverter e mesmo defraudar o mundo da arte.

Nas últimas duas décadas (2000-2020), os agentes do mundo da arte, os novos filistinistas, quiseram impor ao especulativo mercado, uma bagunça criativa de produtos fabricados por artistas que, oportuna e habilidosamente, aceitaram uma posição de tutela e subordinação a esses mesmos agentes e a esse mesmo mercado. Galvanizados pela nova linha seguida pelas bienais de prestígio e incentivados por alguns desviantes directores de museus e galerias, o novo artista transformou-se num fazedor de qualquer coisa fortuita e aleatória, muitas vezes gigantesca, que pudesse encher as salas desses espaços expositivos.

Contratados pelos fazedores destas expressões artísticas, carpinteiros, operários ferreiros, pedreiros e bordadeiras começaram a produzir revivalismos de ready mades e outros devaneios nada inovadores ou, segundo Julian Spalding: “...pretensiosas profanidades arrancadas do alto da cabeça dos artistas.

 

Instalação

 

Trabalhos como fotografias de aniversário e turismo, fortuitas instalações de bricolage, acumulação, ao acaso, de destroços e lixo, ready-mades de ready-mades, transformações levianas e aleatórias e gigantes objectos de uma enorme vulgaridade, tem confiscado, nas últimas décadas, grande parte dos espaços de museus e galerias.

 

Insurjo-me de uma maneira inexorável contra esta produção fraudatória e ardilosa fabricada por artistas indolentes e acomodados a um sistema sustentado por galeristas, curadores e directores artísticos que detêm um desmesurado poder no mercado e a responsáveis pela gestão de políticas da cultura quando estas utilizam o erário público para a realização de extravagâncias e aberrações que fazem parte de projectos urbanos que a maioria da população rejeita.

 

O Grande Livro da História da Arte, construído ao longo de séculos, mas principalmente desde Georgio Vasari (1511-1574), transporta dentro do seu sagrado e imensurável miolo o testemunho do iluminado e magnificente talento de prodigiosos artistas renovadores e vanguardistas que aprendemos a admirar e a reconhecer. 

Confrontando uns presunçosos praticantes do conceptual e outros farsantes "instaladores" e "construtores" do contemporâneo, trago aqui alguns nomes sagrados  desses  prodigiosos artistas que, através dos tempos, inovaram e enriqueceram, de facto, a História da Arte: Giotto Di Bondone, Andrea Mantegna, Piero della Francesca, Sandro Boticelli, Leonardo Da Vinci, Michelangelo Buonarroti, Rembrandt van Rijn, Diego Velasquez, Johannes Vermeer, Nicolas Poussin, Jean-Honoré Fragonard, Eugene Delacroix, Francisco de Goya, Gustave Courbet, Paul Cezanne, Vincent van Gogh, Henry Matisse, Pablo Picasso, Wassily Kandinsky, Salvador Dali, René Magritte, Jackson Pollock, Willem de Koning, Karel Appel, Andy Wahrol, Roy Lichtenstein, David Hockney, Markus Lupertz, Anselm Kiefer, Eric Fishl, Paula Rego, Francis Bacon, Banksy, Vhils, entre muitos outros.


Esse sagrado livro não pode ser desonrado com páginas onde são referidas manifestações de “...pretensiosas profanidades arrancadas do alto da cabeça de alguns artistas”, citando de novo Julian Spalding. Tais manifestações foram instigadas por um especulativo e poderoso mercado ligado e maquinado pelos, já muitas vezes, mencionados filistinistas (galeristas, curadores e directores artísticos), nas últimas décadas.


"Este sistema que alimenta um dissimulado e enganoso ambiente artístico é, agora, capaz de transformar um qualquer “instalador” ou “constructor” numa pessoa famosa e endinheirada, mas é incapaz de fazer dele um Artista", (in É urgente autopsiar a bexiga da arte moribunda).


Principalmente, durante as duas últimas décadas (2000 . 2020), a mudança mais significativa no mundo da arte foi a maneira como o mesmo foi alavancado e comercializado pelos seus agentes e não com o surgimento de um movimento inovador, vanguarda ou novo estilo. Hoje, o mundo da arte assemelha-se muito mais a uma corporação multinacional, a uma empresa cotada em bolsa, a uma indústria de pequenas e micro empresas do que a um conjunto de artistas criadores e inovadores  ligados a instituições de promoção cultural.

 

Escrito segundo as regras do anterior acordo ortográfico

 

Pintomeira | 2021

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